Exposição: re_CURSOS
Na formação da palavra recurso, o prefixo re se une ao termo curso. Esse prefixo é comumente empregado em vocabulários ligados à ideia de repetição, reforço ou retorno. Curso pode significar corrida, carreira, trajeto, viagem, voo, caminhada e duração. No cerne dos vários vocábulos que carregam a palavra curso em sua estrutura está contido a ideia de movimento, fluxo e tempo. O encontro desses morfemas dá origem à palavra recurso, termo que estabelece muitos diálogos com a produção escultórica de Vater Nu apresentada na Casa de Metal.
Cabos, fios metálicos, teclados de computadores, telas e outros resíduos de material eletrônico são alguns dos principais recursos utilizados por Valter. Esse material coletado em caçambas, recolhidos a partir dos resíduos despejados em diferentes locais da paisagem urbana, nos mares e rios é o esteio e a matéria prima das obras.
A produção das esculturas é resultado das incursões de Valter a partir desses materiais. Desde o início da década de 1990, ele realiza pesquisas com os resíduos eletroeletrônicos. Suas produções envolvem investigação e estudo sobre os objetos recolhidos e o descarte do lixo. A convivência com aqueles que vivem e dependem do lixo e da sucata como principal recurso de subsistência, estimula trocas e diálogos, ensejando conhecimentos fundamentais e valiosos para o artista.
O processo criativo começa com o desenho, traçando as linhas e projetando a estrutura no papel. As linhas são, então, modeladas em arames e fios metálicos para a produção do protótipo, etapa importante para a visualização da escultura em grande formato. Ele pesquisa os elementos que constituirão a obra, coletando, selecionando e articulando os materiais em um processo meticuloso que dá origem a formas complexas.
Os resíduos são impregnados de memórias. Valter mantém vivos os vestígios, as cicatrizes, as marcas presentes nos materiais que coleta. Não quer apagá-los, fazer deles uma tabula rasa, forjá-los como novos, assépticos e íntegros. Ele respeita suas materialidades, envolve-se com suas histórias e com seu passado. A escultura é articulada nesse encontro orgânico entre as camadas de memórias, das histórias infiltradas na matéria e os recursos criativos do artista: seus pensamentos, suas vivências e lembranças.
Cada elemento que constitui a obra é articulado manualmente, entrelaçado, costurado sem o auxílio de soldas ou colas. As esculturas formam-se no curso das linhas estruturais que se armam no espaço. São preenchidas por um interior interconectado que instiga o olhar para dentro, para as entranhas, onde cada detalhe compõe as partes que formam o todo, como um organismo vivo. Formas sinuosas, orgânicas são geradas a partir de resíduos extraídos de máquinas. São eles as peças, as engrenagens, os recursos que formam, que dão vida a esses organismos, provocando as relações entre corpo e máquina, natureza e consumo.
Personagens mitológicos, divindades, seres mágicos são criados por Valter. Ele se interessa por mitologias e estórias. Suas personagens, seres divinos, formas humanas são criados no envolvimento com a tecnologia, o que é explorado também nos títulos de algumas obras. As esculturas são construídas pelo descarte desses materiais que, apesar de ligados à inovação e à modernidade, são resgatados na condição de lixo, de refugo sem mais utilidade. Assim, esses objetos são ressignificados, resgatados quando já estão obsoletos, ultrapassados, desgastados, o que faz pensar nas relações que a tecnologia estabelece com o tempo e o consumo: produzidos e consumidos como novidade e inovação, na lógica da produção, são substituídos com a mesma agilidade e logo perdem suas funções, interesse e valor.
Bem diferente é essa relação na mitologia, nas estórias, nas memórias e na arte que transcendem o curso do tempo e do espaço, sobrevivendo à austeridade e a lógica de obsolescência das coisas.
Suas obras subvertem a tradição clássica da escultura, utilizando outros materiais, técnicas e processos. Assim, enfrentam o cânone tradicional como alternativa única, ensejando a pensar de modo plural e coletivo, abarcando diferentes saberes. Apresentam novas possibilidades para o curso dos resíduos, entendendo-os como recurso, enquanto matéria remanescente impregnada de memória e potencial de criação, matéria insurgente de sua condição de refugo estéril.
re_CURSOS apresenta a diversidade de pesquisas distintas do acervo do artista em obras como: Tecno orixás; A lenda dos sereios; Peixe, é pira; Tecno descartáveis; Vendo Peixe e a instalação MCPCCM – Meu coração pé de chinelo circula pelo mundo. Obras que demonstram a complexidade e o caráter polivalente da produção de Valter Nu.